*Lúcia Helena de Camargo
Cada pessoa produz cerca de um quilo de lixo por dia. O número muda de acordo com o padrão de vida e consumo de cada um, mas essa é uma média razoável, usada como base na maioria das métricas.
Viver sem produzir lixo é virtualmente impossível.
Em uma ocasião futura vamos mostrar os casos das pessoas que se propuseram a isso. Mas hoje queremos falar sobre logística reversa, que na prática é dar a destinação correta para certos produtos pós consumo que não devem ser jogados no lixo de jeito nenhum, seja porque poluem águas e solo, porque os recursos do planeta são limitados, porque podem render o sustento para outras pessoas, entre outros muitos motivos.
Se os conceitos da economia circular já lhe são familiares, venha com a gente. Se quer aprender e ser parte da solução, venha também.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabeleceu a logística reversa no País, com objetivo de reduzir o volume de lixo encaminhado diariamente aos aterros sanitários, regulamentar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos às empresas que possam aproveitá-los como matéria-prima, de maneira a reinseri-los na produção, perfazendo, assim, o ciclo que preserva o ambiente, evita o desperdício e poupa recursos naturais.
A PNRS criou também, oficialmente, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, tornando todos que integram a cadeia de consumo responsáveis pelo descarte correto.
Todo mundo mesmo.
Do fabricante ao consumidor, passando pelo comerciante que vende a mercadoria, o distribuidor e o transportador. Ou seja, não escapa ninguém.
Podem ser encaminhadas para a logística reversa embalagens de alimentos e bebidas, de artigos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, de produtos de limpeza, utensílios domésticos, entre outros. Essas embalagens também podem ir para a reciclagem.
No documentário Cultura do Desperdício, o especialista em Direito dos Resíduos Fabrício Soler, falou um pouco sobre isso:
Lista negra
Mas há uma lista de produtos pós consumo cujo encaminhamento para a logística reversa é primordial, por serem nocivos ao ambiente. Cada um desses itens possui destinação específica.
E não, não vale dizer que é trabalhoso e por esses motivos você vai jogar tudo no lixo comum.
Não é tão difícil. Os coletores têm se multiplicado e estão em muitos lugares de fácil acesso.
A rede Leroy Merlin, por exemplo, mantém coletores de pilhas e eletroeletrônicos em todas as lojas. Pioneira no recolhimento de lâmpadas, a empresa já dispunha de coletores para esses materiais antes mesmo da implantação da PNRS.
Quando você compra, digamos, um telefone celular novo, o que faz com o aparelho usado? Se vende ou doa, faz uma boa destinação, já que outra pessoa que recebe o aparelho vai continuar a usá-lo, prolongando o ciclo de vida do produto e atrasando o descarte.
Mas em algum momento o celular poderá ser considerado obsoleto, ou parar de funcionar, e será descartado. Esse é o momento de destiná-lo corretamente, entregando-o a uma entidade ou empresa integrada aos processos de logística reversa.
Há cooperativas que recolhem e desmontam eletroeletrônicos, separam as partes, até as menores, e remetem às recicladoras, que por sua vez fazem triagens dos materiais similares e os revendem às indústrias, para reaproveitamento em novas peças e componentes.
Uma conquista em termos nacionais foi o decreto 10.240/2020, que estabeleceu metas progressivas para a reciclagem dos eletroeletrônicos colocados no mercado por fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de equipamentos de uso domiciliar.
A norma, em vigor desde 1º de janeiro, prevê que neste primeiro ano (2021), quando deverão ser atendidas 24 cidades com mais de 800 mil habitantes, será obrigatório reciclar 1% do total. O percentual cresce ano a ano, chegando a 17% em 2025.
Outra conquista, esta em âmbito municipal, é que a capital paulista equiparou, pela Lei 17.471, de 30 de setembro de 2020, as empresas de varejo que comercializam marcas próprias a fabricantes, obrigando-as a destinar corretamente pelo menos 22% das embalagens que colocam no mercado todo ano.
Uma curiosidade pouco divulgada: entram nessa lista de empresas inclusive padarias, já que fabricam e vendem diretamente ao consumidor.
Um ponto a observar: como a padaria que você frequenta embala os pães, frios e doces? Não raro observamos que muitos estabelecimentos usam isopor em profusão.
Será que as padarias recolhem de volta todo esse isopor e o encaminham para a reciclagem? Ou as milhares de bandejinhas vão acabar no lixo comum, porque a maioria dos consumidores as joga fora, assim que chega em casa?
Você pode fazer a sua parte, ao pedir para que o atendente não use isopor ao embalar os produtos comprados no balcão. E cobrar da sua padaria favorita o uso de materiais biodegradáveis nas embalagens.
Já há estabelecimentos adotando esses procedimentos.
Quem paga?
Vencida a primeira etapa, que é fazer com que os produtos entrem na engrenagem de logística reversa, o problema seguinte é financeiro.
Quem paga por isso? Logística reversa dá lucro? Infelizmente, a resposta ainda é um contundente não. O preço do processamento é muito maior do que o valor arrecadado com a venda dos materiais.
Mantendo o exemplo do celular: um aparelho contém cerca de 60 componentes diferentes. Separar cada um e destiná-los aos lugares certos ainda custa caro.
Avanço lento
Por essas e outras, a logística reversa avança no País a passos mais lentos do que seria desejado. Mas algumas conquistas podem ser comemoradas.
Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree), embora ainda não divulgue o total de materiais coletados no ano passado, adota uma perspectiva otimista. “Ampliamos expressivamente o número de pontos de recebimento em 2020, atingindo 1.300 unidades no Brasil”, diz Mara Ballam, gerente executiva da entidade.
“O maior desafio é conscientizar o consumidor para a necessidade de mudar o comportamento em relação ao pós-consumo dos produtos eletroeletrônicos e eletrodomésticos".
Mara Ballam
Fundada em 29 de junho de 2011, a Abree, sem fins lucrativos, tem por objetivo definir e organizar a gestão de resíduos sólidos (pós-consumo) de seus associados, além de implementar sistemas coletivos de logística reversa de larga escala.
Entre os parceiros da entidade estão empresas como Carrefour, Grupo Pão de Açúcar, e prefeituras como de Santos, Campinas, São Caetano do Sul, entre outras.
“Para o atingimento das metas, a Abree possui três linhas de atuação: municípios, parcerias (empresas) e os varejistas, que fazem parte do processo, porque é por meio deles que acontece o contato fácil com o consumidor.
Hoje, temos seis municípios do Estado de São Paulo e estamos conversando com outros municípios. Pretendemos atingir consórcios para ter mais escala”, afirma Mara.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), lidera um robusto programa de logística reversa, no qual agrega empresas e municípios em torno de metas.
Cris Cortez, assessora técnica do Conselho de Sustentabilidade da entidade informa que entre as ações mais recentes está o início da implementação da logística reversa de óleo comestível, cujo termo de compromisso foi assinado no final do ano passado.
“O ano um da logística reversa para valer no País é 2021. As entidades gestoras já trabalham há muitos anos, mas temos que acelerar”.
Cristiane Cortez
A Gestora de Resíduos Eletroeletrônicos Nacional (Green Eletron), criada em 2016 pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), sem fins lucrativos, é mantida por cerca de 40 associados.
A entidade tem como incumbências estabelecer parcerias para a instalação de coletores, fazer campanhas educativas e cuidar da gestão dos materiais, da coleta até a destinação final para a reutilização como matéria-prima.
Ademir Brescansin, gerente executivo da Green Eletron, conta que 2020 foi um ano atípico em função da pandemia de covid-19, já que a maioria dos pontos de coleta (PEVs) estiveram fechados ou com restrição de acesso.
Ainda assim, a Green Eletron conseguiu recolher mais de 170 toneladas de produtos eletroeletrônicos e pilhas. Desse total, 88 toneladas foram de eletroeletrônicos.
“Por meio da reciclagem do plástico contido no material descartado, 37,5 toneladas de CO2 equivalente e 263,9 mil Kwh de energia deixaram de ser emitidos e consumidos, respectivamente”.
Ademir Brescansin
Para 2021, a Green Eletron trabalha com a meta de recolher pelo menos 600 toneladas de eletroeletrônicos.
Brescansin também comemora a celebração de 26 parceiras com o varejo, fechadas em 2020, que possibilitaram a implementação de 372 novos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) de eletroeletrônicos.
“Mais que dobramos a quantidade de PEVs de pilhas no país. Ao todo, já temos 6,6 mil coletores (sendo seis mil exclusivos de pilhas e os demais para outros resíduos eletrônicos). Os PEVs da Green Eletron já estão presentes em 13 estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina).
Agora, em 2021, pretendemos expandir os pontos de coleta e chegar a mais lugares do país, ampliando as possibilidades para todos os brasileiros”, diz.
Números ainda mais impressionantes traz a Daiana Silles, coordenadora de operações na eureciclo: a entidade compensou mais de 106,2 mil toneladas de resíduos de embalagens em 2020, contra 75,3 mil em 2019, santo de mais de 40%.
Ela relata ainda que a quantidade de empresas parceiras aumentou 90%, chegando a 3,8 mil, crescimento de cerca de 90% se comparado às 2 mil do ano anterior.
São Paulo foi o Estado de maior destaque nos resultados de 2020, com mais de 80 toneladas de embalagens compensadas. “Isso acontece porque é o estado no qual as marcas vendem mais e, por isso, fazem mais investimentos para que a logística reversa aconteça, além de ser uma região que tem legislação específica sobre o tema”, diz.
Materiais compensados em 2020 pela eureciclo: Plástico: 44,3% | Papel: 37,9% | Vidro: 11,3% | Metal: 6,5%
O tema é amplo e envolve outras questões como OBSOLECENCIA PROGRAMADA, tema deste blog em julho de2020: Clique e veja aqui.
O texto "LOGÍSTICA REVERSA DE ELETROELETRÔNICOS: AINDA DÁ TEMPO?" é da colaboradora Lúcia Helena de Camargo que é jornalista há 30 anos. Formada pela PUC-SP, trabalhou na Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário do Comércio, entre outras publicações. Editou a revista Becicle, publicação sobre ciclismo, saúde e meio-ambiente. Nos últimos anos tem atuado como criadora e editora de conteúdos, principalmente nas áreas de sustentabilidade, diversidade e equidade de gêneros.
FONTES:
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Decreto/D10240.htm
· Instituída por meio da Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, e regulamentada pelo decreto nº 7.404/2010.
VALOR ECONÔMICO: https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2020/03/31/reciclagem-de-eletronicos-tera-que-aumentar.ghtml
A íntegra da lei federal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Decreto/D10240.htm
Eureciclo: https://www.eureciclo.com.br/
Artigo recomendado: Logística reversa em tempos de covid: https://firebasestorage.googleapis.com/v0/b/eureciclo-6a164.appspot.com/o/newsletters%2F05-2020.pdf?alt=media&token=1c106ddc-3827-4be1-b6cd-ceae9ff4e2dc
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