Um dos mais conhecidos episódios de extinção é aquele que varreu da face da Terra os dinossauros, há 66 milhões de anos, quando 75% dos seres vivos sumiram.
Agora, vivemos o período Holoceno, iniciado há 11 mil anos. E se não mudarmos radicalmente as práticas, da queima de combustíveis fósseis ao uso de agrotóxicos, passando por muitos hábitos e costumes que colaboram para a deterioração, vamos perecer também como espécie. Não hoje, nem amanhã. Mas logo. E definitivamente.
Uma das pesquisas mais abrangentes sobre o assunto, publicada na revista Science - “Accelerated modern human–induced species losses: Entering the sixth mass extinction”, Science Advances, 2015" - traz a conta que comprova o fenômeno: a taxa de extinção do período 1900-2050, consequência direta da interferência das pessoas sobre a natureza, está provocando uma taxa de extinção 117 vezes maior do que ocorreria se a Terra seguisse seu curso. A extinção em massa é caracterizada quando essa taxa passa de 100.
Na prática, estamos perdendo biodiversidade
E o que isso significa? Há no mundo cerca de 8,7 milhões de espécies (de acordo com estudo publicado na revista PLoS Biology, em 2011, apontado pela comunidade científica como uma das pesquisas mais precisas já feitas), contando todos: leopardos, sardinhas, carvalhos, tomates, insetos, humanos, fungos, bactérias.
Quando uma espécie desaparece, a consequência imediata é na cadeia alimentar. Nós aprendemos na aula de biologia da quarta série: se a vegetação de uma região seca, ficam sem comida os herbívoros, que morrem ou se reproduzem menos, diminuindo sua população; logo, os carnívoros também passarão fome, porque terão menos presas para caçar. Se a carestia continua por muito tempo, todas as espécies daquela área podem acabar.
A queda na biodiversidade pode acabar com espécies que têm papel múltiplo, como o plâncton, que além de alimentar outros seres vivos, trabalha em tempo integral para melhorar o ambiente. Principal item da dieta de grande parte da fauna marinha, esses organismos também absorvem boa parte do dióxido de carbono da atmosfera. A má notícia é que o aquecimento global, que eleva a temperatura da água dos oceanos, vem matando os plânctons.
O total de espécies em extinção no planeta, em números absolutos, chega atualmente a um milhão. Essa é a principal conclusão do abrangente relatório publicado em 2019 pela Organização das Nações Unidas (ONU), resultado da compilação de informações de 145 estudos feitos em 50 países. Por meio da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes, na sigla em inglês), a entidade classificou como “sem precedentes” a gravidade da extinção em curso. O presidente do Ipbes, Robert Watson, na divulgação do documento, afirmou:
“A saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependemos está se deteriorando mais rapidamente do que nunca.”
Robert Watson - Presidente Ipbes
De acordo com o relatório, desde 1900, seguem ameaçados:
O que está causando a extinção?
A ONU aponta cinco fatores principais, na ordem em que influenciam o problema:
O relatório observa que, desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa dobraram, elevando a temperatura média global em pelo menos 0,7 graus Celsius.
Voltamos ao nosso conhecido aquecimento global
Os mais de 300 cientistas envolvidos na pesquisa chegaram a um triste consenso: embora estejam ocorrendo progressos na consciência global sobre o ambiente, com iniciativas sérias e bem-intencionadas sendo implementadas no mundo, como o consistente trabalho do Greenpeace, as batalhas da valente Greta Thunberg, as lutas de Ailton Krenak no Brasil, entre muitos outros... tudo isso ainda é insuficiente para mudar o curso dos acontecimentos.
É preciso mudar já
Para começar ser sustentável de verdade, é preciso mudar a trajetória radicalmente. Em resumo, fazer tudo diferente daqui para a frente. Entre as medidas apontadas como essenciais estão: interromper o desmatamento, parar de poluir o ar, a terra e as águas. De que maneira? A ONU diz que precisamos de “mudanças transformativas de fatores econômicos, sociais, políticos e tecnológicos.” Se até 2030 não conseguirmos, o alerta é que pode ser tarde demais.
Sexta grande extinção, lá vamos nós!
Os extintos - Entre as criaturas que existiram em nosso tempo, mas já foram extintas na natureza estão animais como a tartaruga gigante de Galápagos, o tubarão-lagarto, o tigre-de-Java e o rinoceronte negro do oeste africano, caçado para a retirada de seu chifre, ao qual as crendices (notadamente em países asiáticos) atribuem poderes medicinais, embora seja constituído apenas de queratina, o mesmo material das unhas humanas.
Outros animais silvestres que correm sério risco de extinção no mundo:
Condor californiano; elefante de Sumatra; gorila-das-montanhas; iguana da Jamaica; lêmure de barriga vermelha e cauda anelada; leopardo-de-amur; orangotango de Bornéu; panda gigante.
Papagaio kakapo; pinguim-africano; rinoceronte-de-Java; tigre-de-bengala; tigre siberiano.
No Brasil, que abriga Amazônia, região com a maior biodiversidade do planeta, as espécies ameaçadas de extinção são mais de mil, somando os animais terrestres (698) e aquáticos (475), de acordo com listas da WWF Brasil.
Amazônia
A Amazônia, bioma que abrange vários estados do norte brasileiro e abriga aproximadamente 10% das espécies dos animais do planeta, estão em risco a ararajuba, por tráfico ilegal; os macacos caiarara e uacari-branco, vítimas do desmatamento. E ainda estão ameaçados o boto-cor-de-rosa; o boto-cinza; a onça parda, o tatu-canastra e o tamanduá-bandeira, entre outros.
Pantanal
No Pantanal ainda não se tem um levantamento consolidado sobre as perdas de animais causadas pelos recentes incêndios, de proporções gigantescas. Mas o estrago foi grande e só agrava a situação de alguns, já crítica.
Estão na lista a arara azul, procurada para o comércio de penas; a ariranha, vítima da caça predatória, que também vem perdendo seu habitat e ficando sem alimentação (peixes), com poluição das águas; o cervo do Pantanal, outro alvo da caça predatória e a onça-pintada, o maior felino das Américas, que é caçado para a venda de sua pele e, com os incêndios, perde habitat.
Mata Atlântica
Na Mata Atlântica, a urbanização é apontada como a principal causa de dano ao ecossistema, que abrange o litoral leste, sudeste e sul brasileiro. A perda de habitat é, assim, o principal problema, que afeta o macaco prego e a perereca, que ainda corre risco de extinção por ocupar uma área muito restrita na região do rio Pomba (MG).
Cerrado
Outro importante bioma nacional que abriga animais em sério risco é o Cerrado. Na prática, é uma savana, semelhante à africana. É o segundo maior bioma do Brasil, riquíssimo em biodiversidade. Estão nele o lobo-guará, maior canídeo da América do Sul, símbolo do Cerrado, e o tatu-bola, ambos ameaçados tanto pelo avanço das plantações na zona rural quanto pelo aumento da área urbana sobre o seu habitat.
A diminuição da biodiversidade, no Brasil e no mundo, que cresce à medida que aumenta a exploração do ambiente, o desmatamento e a poluição, retroalimenta todo o ciclo: quanto menos diversa, a floresta absorve menos carbono da atmosfera.
Neste ano de 2021, até junho, espera-se que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera ultrapasse 417 partes por milhão (ppm), o que significa um aumento de 50% em relação aos níveis registrados no início da era industrial, no século 18. Segundo o serviço meteorológico britânico, foram necessários dois séculos para que os níveis aumentassem 25%, mas apenas 30 anos para que chegassem aos 50%.
Acompanhe a evolução da concentração de CO2 no ar
A questão fundamental nesse caso é que o dióxido de carbono permanece na atmosfera por muito tempo. Não some. Assim, as emissões de cada ano se somam às dos anos anteriores e fazem com que a quantidade de CO2 na atmosfera continue aumentando.
As medições na atmosfera são feitas de maneira regular pelo Observatório Mauna Loa, do Havaí, Estados Unidos, desde 1958. O cálculo para se saber o índice antes disso é feito com base em análise do ar armazenado dentro de bolhas no gelo (conservado intacto por milhares de anos).
Os signatários do Acordo de Paris prometem reduzir as emissões, para conseguirmos não extrapolar os 2ºC de aumento na temperatura média acima da época da Revolução Industrial. Será que vamos conseguir? O aumento de 1ºC que tivemos já está causando episódios extremos de inundações, tempestades tropicais e aumento do nível do mar.
Mas nem tudo está perdido. Ainda podemos reverter a situação na nossa geração. Há exemplos vindos de fora, como a Costa Rica, que recuperou metade da biodiversidade perdida em cerca de 30 anos, com reflorestamentos.
IMPORTANTE NOTAR: segundo a revista Nature, nas declarações de governo sobre que tipo de florestas que planejavam criar, apenas 34% seriam florestas naturais, 45% das novas florestas serão plantações de monoculturas e 21% frutas e outras árvores em fazendas como parte de programas agroflorestais.
“Os formuladores de políticas estão interpretando mal o termo restauração florestal e enganam o público”
Simon Lewis e Charlotte Wheeler
Alguns locais, como o formidável e bem-sucedido projeto do Instituto Terra, que plantou 2,3 milhões de árvores e recuperou o entorno de duas mil nascentes no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Fundado pelo casal Lélia Deluiz Wanick e Sebastião Salgado, o conhecido fotógrafo, o instituto fez a área reviver em apenas 22 anos de trabalho.
Conheça o Instituto Terra
O aceno de esperança vem também de gente que conhece o mundo como poucos. No documentário “David Attenborough e Nosso Planeta” (A Life on Our Planet, Netflix, 2020), o naturalista britânico, então aos 93 anos (ele completou 95 anos no último sábado, 8 de maio de 2021), traz um testemunho sobre a sua trajetória no planeta.
Ele, que desde jovem viajou para todas as partes do globo, visitando lugares tão diversos como África e Antártica, encontrando de perto de gorilas a pinguins, mostra a beleza da diversidade e vaticina:
“A maneira como nós, humanos, tratamos a Terra, está levando a vida a um declínio. Mas se agirmos agora, podemos, ainda, reverter o desastre e fazer a coisa certa. Temos que seguir o exemplo da natureza: uma espécie só prospera quando tudo à sua volta também prospera”.
David Attenborough
“A partir de agora, viver de maneira sustentável é a única opção. E essa não é a fórmula para salvar o planeta. É para salvarmos nós mesmos. Conosco ou sem, a natureza se recompõe.”, aponta o britânico.
O texto "A SEXTA EXTINÇÃO EM MASSA JÁ COMEÇOU" é da colaboradora Lúcia Helena de Camargo que é jornalista há 30 anos. Formada pela PUC-SP, trabalhou na Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário do Comércio, entre outras publicações. Editou a revista Becicle, publicação sobre ciclismo, saúde e meio-ambiente. Nos últimos anos tem atuado como criadora e editora de conteúdos, principalmente nas áreas de sustentabilidade, diversidade e equidade de gêneros.
FONTES:
Revista Science: https://advances.sciencemag.org/content/1/5/e1400253
Revista PLoS Biology - 2011: https://plos.org/
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